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Controle neuronal da fome e saciedade

Existem diversos aspectos a serem considerados em relação ao controle do apetite e da saciedade. O papel do hipotálamo na homeostase energética foi descoberto há mais de cinquenta anos.
Durante um longo tempo, reconheceu-se ainda a existência de um fator circulante ligando as vias hipotalâmicas centrais regulatórias do apetite e o tecido adiposo. Esse hormônio lipostático foi identificado em 1994 e chamado de leptina.
A leptina é um hormônio derivado do adipócito, secretado em resposta a um aumento nos estoques de energia; dessa forma, suas concentrações no plasma são diretamente proporcionais ao nível de gordura corporal.

A ação principal da leptina é exercer um efeito redutor da adiposidade de longo prazo, pela atenuação do apetite e aumento da termogênese. As moléculas de leptina circulantes, liberadas na corrente sanguínea pelos adipócitos, ativam receptores de leptina em neurônios do núcleo arqueado do hipotálamo, que se situa próximo à base do terceiro ventrículo.

Os principais alvos da ação da leptina são neurônios que expressam substâncias catabólicas como pró-ópiomelanocortina (POMC) e CART (cocaine and amphetamine-regulated transcript), os quais são estimulados pela ação da leptina, e neurônios que expressam substâncias anabólicas, como neuropeptídeo Y (NPY) e AGRP (agouti-related protein), que são inibidos pela ação da leptina.
Na estrutura neuroanatômica aceita atualmente, acredita-se que os neurônios que expressam POMC/CART projetem-se do núcleo arqueado do hipotálamo para locais como a área hipotalâmica lateral e o núcleo paraventricular.

Na área hipotalâmica lateral, fazem sinapses com neurônios que expressam MSH (melanocortin-stimulating hormone) e as orexinas A e B, suprimindo a expressão destes neuropeptídeos.
O MSH é uma potente molécula orexígena, e sua administração intracerebroventricular em ratos leva a um aumento importante da ingestão alimentar.
No núcleo paraventricular, o qual tende a uma produção catabólica (comparado à anabólica da área hipotalâmica lateral), os neurônios que expressam POMC interagem com neurônios que expressam TRH (hormônio hipotalâmico liberador de TSH), CRH (hormônio hipotalâmico liberador de corticotropina) e ocitocina.

Tanto o TRH como o CRH demonstraram estar associados a aumento no gasto energético e redução na ingestão calórica. Esses efeitos podem ser mediados, em parte, por meio do eixo tireoideano e pelo sistema nervoso simpático.
Os neurônios que expressam NPY/AGRP concentram-se no núcleo arqueado hipotalâmico ventromedial e também se projetam para a área hipotalâmica lateral e para o núcleo paraventricular. O NPY é um peptídeo abundante no hipotálamo e tem efeito poderoso de aumentar a ingestão alimentar quando administrado centralmente.

Além das comunicações com o hipotálamo, também há comunicação direta de POMC/CART e de NPY/AGRP com outras áreas do sistema nervoso central (SNC), como o núcleo do trato solitário, localizado na ponte, envolvido na regulação de curto prazo da ingestão alimentar, por meio da distensão gástrica e da liberação de colecistocinina (CCK) e do peptídeo semelhante ao glucagon (GLP-1).
Diversos trabalhos apontam o sistema melanocortina como sendo um ponto fundamental no controle do apetite e do balanço energético. Enquanto a expressão de POMC é regulada positivamente em resposta à leptina e aumenta os estoques de energia, a expressão de POMC no núcleo arqueado hipotalâmico é reduzida em condições como jejum ou deficiência de leptina.

A POMC sofre clivagem pós-translacional, dando origem a vários peptídeos, dentre os quais α, β, e γ –MSH. No SNC, dois dos cinco receptores de melanocortina conhecidos (MCR), chamados de MC3R e MC4R, são ativamente expressos em áreas do cérebro relacionadas à ingestão alimentar (núcleo paraventricular e área hipotalâmica lateral) e atividade autonômica.

O MC4R tem alta afinidade pelos agonistas α e β–MSH, mas também possui forte afinidade pelo antagonista AGRP. Assim, parece que o MC4R é um ponto no hipotálamo no qual ocorre a “afinação” da cascata de sinalização da leptina, com o balanço relativo entre agonistas (MSH) e antagonistas (AGRP) determinando o efeito traduzido.

De fato, a administração de baixas doses de antagonistas do MC4R atenua significativamente a capacidade da leptina administrada exogenamente de reduzir a ingestão alimentar. Além disso, a deleção do gene MC4R em ratos resulta em um fenótipo caracterizado pelo início recoce de hiperfagia e obesidade.

Devido ao dramático efeito de provocar perda de massa gorda em animais, a leptina foi considerada, durante um breve momento, como um grande avanço no tratamento da obesidade.
No entanto, logo se percebeu que a leptina circulante correlacionava-se com a massa gorda e o IMC e que, dessa forma, indivíduos obesos apresentavam maiores concentrações de leptina, e não menores como se acreditava.

Assim, descobriu-se que a obesidade em humanos está relacionada a um mecanismo de resistência à leptina, e que o uso de leptina exógena não causaria, na ampla maioria dos casos, redução de peso significativa.
Uma série de possíveis mecanismos foram postulados para explicar a resistência à leptina que ocorre na obesidade, incluindo o transporte prejudicado da leptina através da barreira hematoencefálica e a presença de reguladores negativos da sinalização de leptina na concentração de neurônios no SNC que expressam receptores de leptina e seus alvos.

Antes da descoberta da leptina, foi proposto que a insulina poderia atuar como um sensor dos estoques de energia entre a periferia e o cérebro. Certamente a insulina preenche os critérios para ser associada com um hormônio lipostático: pode ser transportada através da barreira hematoencefálica proporcionalmente à quantidade de gordura corporal, sua administração central está relacionada com redução da ingestão alimentar em mamíferos e receptores de insulina estão localizados em regiões reguladoras do apetite no hipotálamo.

Além disso, a insulina é um regulador-chave na mudança entre estados pré e pós-prandiais, e suas concentrações plasmáticas diminuem durante o jejum e aumentam na obesidade.
A elucidação posterior do papel lipostático da insulina demonstrou que ela age em conjunto com a leptina para influenciar o controle hipotalâmico da homeostase energética, mas a extensão e a natureza dessa parceria ainda precisam ser esclarecidas.

Outros neurotransmissores e neuropeptídeos e seus respectivos receptores têm sido estudados devido a seu papel no controle da ingestão alimentar e do balanço energético, como receptores de serotonina (5-HT), receptores canabinóides CB1 e endocanabinóides, fator neurotrófico ciliar (CNTF) e várias outras substâncias.
Além da leptina e da insulina, os hormônios intestinais também possuem papel importante na saciedade pós-prandial. Dentre eles, pode-se citar a colecistocinina (CCK), o GLP-1, o peptídeo YY (PYY) e a ghrelina.

Diferentemente dos três primeiros, a ghrelina está relacionada com o estímulo à ingestão alimentar.
As concentrações plasmáticas de ghrelina são baixas na obesidade e, de maneira interessante, a queda nas concentrações de ghrelina após cirurgias bariátricas do tipo bypass gástrico, com redução do pico de aumento pré-prandial, é sugerida como sendo um fator que contribui para a supressão do apetite associada com esse procedimento.

Com os avanços recentes na compreensão das vias complexas envolvidas na regulação do apetite, da saciedade e dos estoques nutricionais, um modelo integrado desses processos pode ser construído.
Em essência, existem dois sistemas de controle da ingestão alimentar e do peso corporal, um de curto prazo, que determina o início e o término de uma refeição, e outro de longo prazo, que é responsável pelo estoque de gordura corporal.

Logo após uma refeição, a distensão do estômago e a digestão dos alimentos estimulam o nervo vago e os nervos espinhais e promovem a liberação de CCK e PYY. Estas informações chegam ao núcleo do trato solitário no tronco cerebral e ao hipotálamo, inibindo os neurônios NPY/AGRP (via anabólica) e determinando o fim da refeição (sistema de curto prazo).

O α-MSH, derivado da POMC, age sobre os receptores MC4R, levando à redução da ingestão alimentar. Outros neurônios secundários no SNC, com propriedades catabólicas, também são estimulados e contribuem para a diminuição da ingestão alimentar.Em torno de uma a duas horas antes de uma refeição, ocorre elevação da ghrelina, que funciona como um “iniciador de refeição”. Este hormônio estimula os neurônios NPY/AGRP.

A AGRP antagoniza o MC4R, desta forma bloqueando a sinalização através do sistema da melanocortina. Outros neurônios secundários no SNC, com propriedades anabólicas, são ativados e levam ao aumento da ingestão alimentar a longo prazo. O hipotálamo e o núcleo do trato solitário no tronco cerebral se interconectam e são responsáveis pelo controle da ingestão alimentar e do peso corporal.

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