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Hans jonas: ética e responsabilidade

A inteligência humana oferece prodígios tecnológicos cada vez mais avançados, cada vez mais ousados, gerando, em outro extremo, dilemas morais de imprevisíveis dimensões. A cada dia, novas ferramentas são colocadas no mercado para tornar a vida humana menos dedicada ao labor, mais ao prazer, ao lazer, como as máquinas domésticas, o computador, o celular, os tablets, que permitem a instalação de redes sociais de alcance planetário, mas descartáveis em breve lapso de tempo, viram lixo poluente.

Impensáveis em outros tempos, equipamentos eletrônicos permitem que o homem navegue não apenas pela imensidão do espaço sideral, mas também pelas ínfimas regiões do interior do corpo humano; e, à imitação de Deus, chega às células-tronco para perscrutar os males, as doenças que agem contra a vida. Todas essas utilizações produzem questionamentos éticos que impõem a adoção de novos parâmetros a serem minuciosamente avaliados e sopesados.

Para isso, de um lado, as religiões exigem respostas dogmáticas, em posicionamento inflexível; de outro, não menos dogmáticas, algumas posições entendidas como científicas, mas que, sem admitir controvérsias, defendem, a todo custo, o entendimento de que a ciência se autorregula, não necessitando de parâmetros éticos “complementares” para norteá-la. O fenômeno denominado “morte de Deus” apresenta-se como um diagnóstico da modernidade.

A própria religião sobrevivente tornou-se um produto comercializado das mais diversas maneiras; como nunca, Deus fala através dos seus “porta-vozes” religiosos “vocacionados” e testa a sua fé por meio de uma generosa oferta do dízimo. Concomitantemente, fundamentalistas religiosos consideram-se defensores de uma única postura religiosa possível, inflexível, a verdadeira, segundo cada um deles.

Na outra extremidade, a ciência e a tecnologia acenam com invenções que tocam o limiar da origem da vida. Diante dos avanços tecnológicos e arraigada inflexibilidade de opiniões que desembocam na decadência dos valores morais por tanto tempo preservados, nos perguntamos: Que parâmetro ético poderia oferecer novos horizontes para a humanidade? Diante das novas possibilidades tecnológicas, como pensar em uma ética capaz de acenar com um horizonte convergente para um padrão mínimo de comportamento aceitável nas diversas sociedades contemporâneas, respaldadas por diversas culturas e fundamentos antropológicos?

Hans Jonas identifica-se como um filósofo nascido em 1903 e falecido em 1993 que, vivendo em uma época em que a humanidade, na tentativa de oferecer uma resposta para dilemas contemporâneos, questiona a possibilidade da não sobrevivência do homem na Terra, diante da irresponsabilidade como pratica ações insensatas, sobretudo no que tange à preservação ambiental. O autor se destaca como um precursor da ideia de que o homem caminha para a autodestruição, o que se consumará em futuro não tão longínquo, caso não assuma um novo paradigma de princípios, de direitos e de deveres, tendo em mente a preservação das condições da vida humana em relação ao mundo em que habita. Hans Jonas foi aluno de Martin Heidegger, colega de Hanna Arendt. Deixou a Alemanha, terra natal, em 1934, passando a viver na Inglaterra e nos Estados Unidos. A relação entre ética e tecnologia tornou-se uma constante na filosofia de Jonas.

Em sua obra principal, O princípio responsabilidade, ensaio para uma ética para a civilização tecnológica, o autor apresenta a responsabilidade enquanto princípio importante para fundamentar a ética de uma civilização em que a tecnologia ofertou poderes de imensurável utilização, que, da mesma forma, produzem imprevisíveis consequências éticas, catastróficas para a humanidade. Considera Hans Jonas que a ética, a partir do imperativo categórico de Kant, “age de tal maneira que a máxima de sua ação torne-se universal” não pode ser mais aplicada na atual situação do mundo contemporâneo em que os poderes da técnica conferiram ao ser humano possibilidades outrora impensadas e impensáveis. O imperativo ético, proposto por Hans Jonas, identifica-se como um princípio ético subjacente à civilização tecnológica que se forma, e poderia ser preceituado nos termos: “age de tal maneira que a máxima de sua ação permita a perpetuação dos seres humanos no planeta”. Dividida em seis capítulos, o princípio responsabilidade alerta que as consequências das ações na perspectiva tradicional limitam-se ao âmbito humano do presente e, com o advento do poder/saber técnico, faz-se mister pensar nas consequências de nossas ações para o futuro.

Hans Jonas fala com propriedade em relação à necessidade de uma nova ética que abarque, além das ações humanas, as extra-humanas, e que coíba as ações prejudiciais em relação ao planeta, porque o referido filósofo presenciou e sentiu de perto as consequências de um imperativo tecnológico que se põe como determinismo. Por ter participado da guerra e vivido naquele contexto de grande turbulência, e visto a morte de perto, ele pôde perceber o grande arsenal de destruição que o homem potencialmente produz contra si mesmo. O estado apocalíptico que presenciou, a destruição ameaçadora do mundo e a proximidade da morte, como a das bombas atômicas que dizimaram populações e que, em outras repetições poderiam produzir novas hecatombes mais imprevisíveis e mais devastadoras ainda, fez esse filósofo refletir sobre as ações humanas e sobre a necessidade de uma ética que mudasse as atitudes e o comportamento do homem em relação ao mundo. É por essas questões que Hans Jonas pode ser considerado o fundador de um paradigma que traça novas possibilidades para a educação ambiental e também para as ações humanas.

Segundo o filósofo alemão, ao desenvolver o imperativo da responsabilidade, seu pensamento não se restringe apenas ao fato da simples destruição física do planeta, mas à morte em sua essência, ou seja, aquela que é resultado da “desconstrução” e a aleatória reconstrução tecnológica do homem e do ambiente, pois, para ele, uma inarredável interação se instala entre a pesquisa e o poder. E essa interação conduz a uma nova configuração da ciência que, por sua vez, passa a produzir um saber evidentemente devastador, num intransigente posicionamento contra a verdadeira função do saber que durante toda a história da humanidade foi “a de ser incorporada nas consciências, na busca meditada e ponderada da qualidade da vida humana”.

Enfim, a deformação do saber, usada para a obtenção a todo custo de novas tecnologias e lucros a qualquer preço, faz do homem um ser “insensato”, pois desperdiça anos de escolaridade, pesquisas e experimentos para obter algo almejado, mesmo que esse algo seja atingido mediante utilização deletéria de todo o conhecimento e de toda a técnica adquirida. O homem ignora a verdadeira função do saber, ignora a busca pela qualidade da vida humana que deveria respeitar o imperativo de sobrepor-se ao mundo físico e social para banir o grande desequilíbrio na estrutura biótica, abiótica e também na vida humana. Portanto, a proposta de Hans Jonas não trata de uma crítica às novas tecnologias e sim ao imperativo que se faz inadiável para que a ciência siga por caminhos éticos pautados pelo princípio responsabilidade, subjacente ao ser em toda sua plenitude.

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